quarta-feira, junho 23, 2010

Os 23 da Copa (XI) - Robinho: o homem de confiança

Tem alguns garotos aqui no Santos que, se bem trabalhados, vão chegar lá. Por exemplo, o Robinho, um crioulinho. Ele sabe driblar e é inteligente.

No início de 1999, Pelé acompanhava de perto as divisões de base do Santos e cunhou a frase acima, dada em entrevista à revista Placar. É fato que são famosas as apostas e palpites equivocados do Rei, mas nesta ele até que acertou. Robinho, o tal “crioulinho”, tornou-se uma das grandes esperanças do futebol brasileiro em mais uma Copa do Mundo.

Apenas três anos depois da “profecia”, ele foi promovido aos profissionais do Santos, com apenas 18 anos. A seu lado, outras promessas das categorias de base, como o meia Diego, um ano mais novo e seu parceiro inseparável dentro e fora de campo. A bem da verdade, nada disso fez parte de um planejamento meticuloso e profissional; o clube, afundado em dívidas e sem ter como investir em jogadores famosos, tinha nos juniores uma opção (muito) mais barata. E assim o Peixe entrou no Brasileiro de 2002, com um elenco desconhecido e apontado por muitos como forte candidato ao rebaixamento.

Porém, tão logo a bola rolou, descobriu-se um timaço. E aquela equipe comandada por jogadores jovens e/ou pouco conhecidos, como Alex, Maurinho e Alberto, aliados a outros que já estavam na Vila Belmiro sem chamar muito a atenção, casos de Elano e Renato, acabou conquistando de forma brilhante o título brasileiro.

As grandes estrelas da inédita conquista, que pôs fim a um incômodo jejum de dezoito anos sem um título oficial importante, foram justamente os garotos Diego e Robinho. Este, ao comandar a equipe na dramática final contra o odiado arquirrival Corinthians, virou estrela da noite para o dia. Com o companheiro Diego saindo contundido logo a 2 minutos de jogo, Robinho chamou a responsabilidade para si. Construiu os três gols da vitória, sendo que no primeiro conseguiu um pênalti após humilhar o lateral-direito Rogério com uma impressionante e inesquecível seqüência de “pedaladas”, o famoso drible em que se passa seguidamente o pé sobre a bola, imitando o movimento usado em uma bicicleta.

Integrado ao time das estrelas do futebol brasileiro, Robinho logo passou a ter seu lugar exigido pela opinião pública na Seleção Brasileira, talvez de forma prematura. Embora habilidosíssimo e veloz nos dribles, ainda demonstrava uma certa fragilidade física e deficiência nas conclusões a gol. Depois de se destacar na Libertadores de 2003, levando o Peixe ao vice-campeonato, mergulhou em uma má fase, que se estendeu do Brasileiro daquele ano (em que seu clube, teoricamente dono do melhor elenco, acabou perdendo o título para o Cruzeiro) ao Torneio Pré-Olímpico do Chile, em 2004 (o favoritíssimo Brasil naufragou no quadrangular final e perdeu a vaga nos Jogos de Atenas).

O parceiro Diego foi embora, negociado com o Porto. O técnico Emerson Leão também, chegando Wanderley Luxemburgo para seu lugar. E Robinho logo voltou a exibir seu melhor futebol com o novo treinador. Iniciou um trabalho de fortalecimento físico, visando torná-lo um jogador mais resistente às divididas e ao jogo brusco sem contudo prejudicar sua habilidade e mobilidade; e, cobrado energicamente por Luxa, passou a treinar com afinco as conclusões. O resultado foi que ainda ficou longe de ser um emérito finalizador, mas certamente seu aproveitamento tornou-se bem mais aceitável; tanto que, com 21 gols, acabou sendo o artilheiro santista no Brasileiro de 2004, ao lado do centroavante Deivid.

E foi na reta final daquela mesma competição que viveu o maior drama de toda sua vida. Sua mãe, Dona Marina, foi seqüestrada e passou aproximadamente quarenta dias em um cativeiro. Afastado da equipe durante esse período, contou com total apoio de seus companheiros e também da torcida. Só retornou na última rodada da competição, diante do Vasco, apenas dois dias após a libertação de sua mãe, felizmente sem quaisquer marcas (físicas) deixadas pela barbárie. Fora de forma, foi substituído no segundo tempo, festejando depois a conquista de mais um Nacional, o segundo em três anos.

Apenas em 2005 o técnico Carlos Alberto Parreira passou a lhe dar chances reais com a camisa da Seleção principal. E Robinho acabou sendo titular da equipe que conquistou a Copa das Confederações. Não chegou a brilhar como no clube, mas mostrou vários lances de brilho, quase marcando lindos gols tanto contra a Alemanha como contra a Argentina.

Na volta da competição, revelou ter uma proposta concreta do Real Madrid, e que queria ir para a Europa. Julgava já ter encerrado seu ciclo no Santos e argumentava querer dar segurança a sua família, compreensivelmente traumatizada com o lamentável caso envolvendo sua mãe. Após um mês de litígio com o clube, que tentou a todo custo segurá-lo, acabou finalmente negociado por 30 milhões de dólares, um valor certamente compensador diante de tantas outras transações vergonhosas, em que craques brasileiros incontestáveis são negociados a preço de banana (vide os casos Kaká e Diego, por exemplo).

Porém, a fase do clube merengue não ajudou. Robinho chegou no meio de uma crise que se arrastava há três temporadas (e, fora um ou outro espasmo, dura até hoje), tempo em que o Real Madrid tornou-se famoso por suas contratações vultosas e sem critério técnico, que resultam na falta de títulos. Ele próprio acabou por entrar no clima algo "circense" reinante no clube espanhol e foi aos poucos substituindo os gols e dribles objetivos rumo ao gol por um futebol de muitas firulas e irritantemente improdutivo, o mesmo mal que podou a carreira do ex-são-paulino Denilson, outro a trocar o futebol brasileiro pelos milhões espanhóis.

Contudo, seu desempenho na Seleção não foi afetado. Nas chances que recebeu na Copa da Alemanha, houve-se bem e sua entrada no lugar de Adriano foi cobrada por muitos, mas a contusão que o afastou da partida contra Gana nas oitavas-de-final parece tê-lo prejudicado neste objetivo. Voltou da Alemanha sem arranhões na imagem e começou a segunda "Era Dunga" com moral de titular absoluto, que se confirmou com o título, a artilharia (algo inédito em sua carreira) e o posto de melhor jogador na Copa América de 2007, disputada na Venezuela. A partir daí tornou-se definitivamente homem de confiança do treinador.

A má fase no Real Madrid, aliada ao sonho (mais próximo de delírio, no fim das contas) de ser "o melhor jogador do mundo", seguiu atrapalhando-o na Espanha, culminando com declarações desastradas, como as de que preferia "vender pastel na feira" a jogar naquele que é talvez o mais tradicional e historicamente vitorioso clube do planeta. Após fracassar a negociação com o Chelsea, que havia acabado de ser assumido por Luiz Felipe Scolari, foi parar no Manchester City, equipe mais modesta e recém-adquirida por um magnata árabe.

O início na Inglaterra foi bom, com dribles e gols que faziam parecer que a boa fase estava de volta. Mas o desequilíbrio da equipe em campo, com uma defesa muito frágil em comparação com o forte ataque, a campanha consequentemente fraca e a noite de Manchester (com direito a uma controvertida, e depois desmentida, acusação de estupro em uma de suas inúmeras "baladas") fizeram Robinho sucumbir mais uma vez. Reserva, ainda mais depois da chegada de nomes como Bellamy, Roque Santa Cruz e do argentino Tevez, a quem ironica ofuscava quando eram rivais no futebol paulista anos antes, mais uma vez deixou o mau comportamento falar mais alto, com declarações equivocadas de inconformismo via imprensa.

O empréstimo a seu velho e querido Santos caiu como uma luva. Apesar dos apenas 26 anos, chegou para ser o "veterano" da nova geração dos "Meninos da Vila". Seu desempenho em campo está longe de ser decepcionante, colaborando com gols e assistências nas campanhas do título paulista e do "quase-título" da Copa do Brasil (que será decidida contra a "zebra" Vitória após a Copa do Mundo), mas Robinho acabou ofuscado pelas estrelas ascendentes Neymar (quase uma fotocópia dele mesmo anos atrás, mas que aparenta ser ainda mais promissora) e Paulo Henrique "Ganso", este a menina-dos-olhos do torcedor brasileiro e que acabou, após muitas súplicas de convocação, entrando apenas na lista dos sete "suplentes" de Dunga para a Copa.

Na Seleção, apesar de não estar repetindo o mesmo desempenho de 2006/07, Robinho segue com prestígio e titular absoluto de Dunga. Um dos melhores em campo na estreia do Mundial da África do Sul, com direito a uma bela assistência para Elano que fechou a vitória contra a Coreia do Norte, esteve meio sumido diante da truculenta Costa do Marfim. Mas a esperança é que, a partir do difícil confronto contra Portugal, consiga reviver, ao menos em parte, os tempos em que ostentava no futebol brasileiro o prestígio que hoje cabe a seu companheiro de clube Neymar.


Róbson de Souza
atacante
São Vicente (SP), 25.01.1984
1,72 m
65 kg
Clubes: Santos (2002 a 2005 e desde 2010), Real Madrid-ESP (2005 a 2008) e Manchester City-ING (2008/09).
Títulos: paulista (2010) e brasileiro (2002 e 2004) pelo Santos; espanhol (2007/08) pelo Real Madrid; da Copa América (2007) e da Copa das Confederações (2005 e 2009) pela Seleção Brasileira.
Jogos pela Seleção: 88 (31 gols)
Participação em Copas:
2006 (5º lugar) – 4 jogos, nenhum gol

Foto: Getty Images

segunda-feira, junho 21, 2010

Os 23 da Copa (X) - Kaká: a esperança de inspiração

Um tolo acidente quase interrompeu no nascedouro a carreira de um dos mais talentosos jogadores brasileiros da atualidade. Em outubro de 2000, apenas três anos após iniciar nas categorias de base do São Paulo, o jovem Cacá (era assim que a imprensa escrevia na época), então com 18 anos, curtia uma folga na cidade goiana de Caldas Novas, mundialmente famosa por suas águas termais. Ao mergulhar de mau jeito, o rapaz bateu a cabeça no fundo da piscina, lesionando gravemente a espinha. Milagrosamente, escapou de perder todos os movimentos do corpo.

O episódio pode não ter tido maiores conseqüências, mas lhe custou a vaga de titular na Copa São Paulo de Juniores, no ano seguinte. O jovem alto e imberbe no banco de reservas não atraía tanto a atenção da imprensa, mais interessada nos movimentos de outras promessas do Tricolor, como Harisson, Oliveira e Renatinho. Ironicamente, nenhum deles, especialmente os dois últimos, chegou perto do sucesso do tal reserva...

Às vésperas de um clássico contra o Santos, pelo Paulistão, o técnico Oswaldo Alvarez precisou de jogadores para completar a equipe. E socorreu-se aos juniores: Renatinho e Harisson atuaram como titulares, e Cacá foi para o banco, mais como um quebra-galho. Mas começou aí sua trajetória de sucesso: substituindo Harisson no segundo tempo, em um de seus primeiros lances marcou um belo gol de cabeça, lance fundamental na vitória por 4 x 2.

Mas a explosão de fato viria alguns dias depois. Na partida decisiva do Rio-São Paulo, o Tricolor perdia no Morumbi para o Botafogo, por 1 x 0, diante de mais de 70 mil torcedores. O resultado em si não trazia preocupação, afinal o São Paulo havia conseguido uma grande vantagem goleando por 4 x 1 em pleno Maracanã na partida de ida. Mas a idéia de ter a faixa carimbada incomodava. Até que Cacá, novamente entrando na segunda etapa, virou a partida com dois gols em apenas três minutos, um deles magistral, entortando o zagueiro Váldson. O São Paulo conquistava um título inédito e o jovem meia tornava-se astro da noite para o dia.

Logo o assédio tornou-se avassalador. E o garoto logo aproveitou para fazer um pedido à imprensa: que seu apelido fosse escrito com dois “k’s”, ou seja, Kaká. Um pedido algo estranho, mas atendido de imediato. E a cada vez mais freqüente exposição na mídia logo o tornou alvo não apenas da torcida, como também das adolescentes, encantadas por outros atributos do atleta...

Após boas participações no Paulistão e no Brasileiro, bem como no Mundial Sub-20 da Argentina, a sonhada chance de vestir a camisa amarela principal veio em 2002, poucos meses antes da Copa. Kaká mostrou bom futebol nos amistosos, contou com a sorte (o concorrente Djalminha foi cortado à última hora por problemas disciplinares) e garantiu uma vaga no grupo que iria à Coréia do Sul e Japão. A exemplo do Ronaldo de 1994, Kaká teria no Mundial uma espécie de “vestibular”, visando ganhar experiência entre os reservas, acostumando-se ao ambiente da Seleção para firmar-se futuramente.

Teve apenas uma oportunidade de atuar na Copa, atuando alguns poucos minutos na goleada de 5 x 2 sobre a Costa Rica. Uma participação discreta. Após comemorar o pentacampeonato e retornar ao São Paulo, fez um Brasileiro excepcional e o clube ficou com o primeiro lugar disparado na fase de classificação. Porém, a eliminação para o Santos de Robinho e Diego trouxe a crise para a equipe, acusada de “pipocar” na hora mais decisiva.

No ano seguinte, os fracassos tricolores continuaram. Impaciente e desesperada, parte da torcida são-paulina (praticamente toda ela composta por uma organizada famosa por seus brutais atos de violência) passou a perseguir Kaká, jogando sobre ele a responsabilidade pelos fracassos. Tal barbaridade contribuiu em muito para a prematura saída do craque, vendido ao Milan em julho daquele mesmo ano por quase módicos 8,5 milhões de dólares.

Kaká chegou ao time rossonero mais como uma aposta para o futuro, mas surpreendeu os italianos. Cheio de disposição, ganhou a vaga de titular já na pré-temporada de 2003/04, barrando os medalhões Rivaldo e Rui Costa. O craque do Mundial de 2002 também acabaria barrado pelo garoto “abusado” na Seleção. Kaká terminou 2003 titular absoluto da Seleção, agora sob o comando de Parreira, e também do Milan.

Terminou a temporada em alta, campeão nacional e eleito o melhor jogador da competição. Foi dele também toda a jogada que resultou no gol do título, marcado por Shevchenko na partida decisiva diante da Roma. A essa altura, os 8,5 milhões pagos por seu passe já eram definitivamente preço de banana.

Nas temporadas seguintes, Kaká firmou-se definitivamente como titular da Seleção Brasileira, revelando-se um dos jogadores mais regulares da equipe e mesmo se sacrificando na marcação para que Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano pudessem brilhar mais. No Milan, apesar de decepções como os dois vices italianos e a inacreditável perda da Champions League de 2004/05 para o Liverpool, seu prestígio seguia igualmente intacto.

Contudo, não escapou da mediocridade que acometeu toda a Seleção no Mundial da Alemanha. Após uma atuação regular e um belo gol na estreia diante da Croácia, pouco fez de relevante nas partidas seguintes. Isso até mesmo lhe custou uma suposta perda da posição de titular no início da "segunda Era Dunga": o ex-volante e agora treinador o deixou no banco em um de seus primeiros amistosos no comando da equipe, mas foi obrigado a ver o meia entrar no segundo tempo contra a Argentina e marcar um lindo gol, numa sensacional arrancada desde o campo de defesa que fechou o placar de 3 x 0 no Emirates Stadium de Londres.

Novamente indispensável ao grupo titular da Seleção por seu talento, atingiu seu auge no ano seguinte. Comandou a inesperada conquista de um Milan cheio de veteranos e mergulhado em má fase na Champions League e, depois, no Mundial de Clubes da Fifa. Arrematou o prêmio de melhor jogador do ano pela Fifa em dezembro de 2007, após a final no Japão.

Pouco depois, começou o calvário provocado pelas constantes lesões pubianas, que o tiraram de várias partidas importantes, não só pelo Milan como também pela Seleção. E, após anos de intenso assédio, ora real e concreto, ora apenas mero circo midiático, acabou negociado com o Real Madrid, por incríveis 65 milhões de euros, e um tanto a contragosto. Kaká nunca negou sua afinidade com o manto rossonero e manifestava o desejo de no futuro tornar-se capitão e uma "bandeira" da equipe; a diretoria capitaneada pelo magnata Silvio Berlusconi, contudo, não pareceu comungar da mesma opinião e, mesmo vendo o time envelhecido e decadente, não hesitou em vender sua maior estrela para garantir um suposto equilíbrio de caixa.

Em sua primeira temporada com a camisa merengue, seu desempenho acabou prejudicado pelos velhos problemas no púbis, acabando o brasileiro ofuscado pela outra contratação "galática" da pré-temporada, o português Cristiano Ronaldo. E o desempenho recente pela Seleção põe igualmente em dúvida sua capacidade de contribuir para o sonhado hexa na África do Sul. Após uma atuação esforçada, mas sem brilho, na estreia diante da Coreia do Norte, e partir do céu com duas assistências ao inferno de uma expulsão controvertida contra a Costa do Marfim, Kaká, na condição de maior e talvez único craque do grupo de Dunga, tem o desafio de provar que ainda poderá voltar a brilhar tão intensamente quanto há três temporadas.


Ricardo Izecson Santos Leite
meia
Brasília (DF), 22.04.1982
1,84 m
75 kg
Clubes: São Paulo (2001 a 2003), Milan-ITA (2003 a 2009) e Real Madrid-ESP (desde 2009).
Títulos: do Rio-São Paulo (2001) pelo São Paulo; italiano (2004), da Liga dos Campeões (2007), da Supercopa Européia (2003 e 2007) e mundial de clubes da FIFA (2007) pelo Milan; mundial (2002) e da Copa das Confederações (2005 e 2009) pela Seleção Brasileira
Jogos pela Seleção: 89 (33 gols)
Participação em Copas:
2002 (campeão) – 1 jogo, nenhum gol
2006 (5º lugar) – 5 jogos, 1 gol

Photo: AP Photo

sábado, junho 12, 2010

Os 23 da Copa (IX) - Luís Fabiano: mais que uma fábula

Filho de mãe solteira, aluno rebelde, o pequeno Luís Fabiano certamente teria tido um futuro não muito promissor não fosse a dedicação e o carinho do avô paterno, "seo" Benedito, que lhe fez as vezes de pai. Incentivador maior do garoto, Ditão lhe conseguiu um teste no Guarani: foi aprovado, mas acabou dispensado um ano depois, quando iria estourar o limite de idade de sua categoria.

Depois de um tempo parado e não tendo tido sucesso em outros ofícios, Luís conseguiu novo teste, no Ituano, e, pouco tempo depois, saiu de lá rumo aos juniores da Ponte Preta, para alegria do avô, torcedor fanático da Macaca. E suas primeiras oportunidades vieram em 1999, ainda poucas num bom time que havia conseguido enfim sair da Série A-2 Paulista após quatro anos de ausência da elite e feito ótima campanha no Brasileiro, chegando às quartas-de-final.

Ainda conhecido apenas como "Fabiano", tornou-se titular em 2000, fazendo um bom Estadual e chamando a atenção do Rennes, modesta agremiação francesa, que à época apostou em outro jovem atacante brasileiro, Lucas, do Atlético-PR e Seleção Olímpica. Não se adaptou à Europa e a notícia do falecimento do avô querido, em setembro daquele mesmo ano, só piorou as coisas.

Retornou no ano seguinte, emprestado ao São Paulo. Na mesma época, desembarcava no Morumbi, outro atacante chamado Fabiano, vindo do Inter e que curiosamente também tinha em seu registro de nascimento o nome Luís Fabiano. A solução foi "rebatizar" o ex-ponte-pretano com seu nome composto, que o acompanha até hoje, enquanto o ex-colorado passou a atender como Fabiano Souza.

Fabiano Souza, famoso por ter comandado a histórica goleada do Inter por 5 x 2 sobre o Grêmio em pleno Olímpico no ano de 1997, acabou tendo passagem apagadíssima pelo Tricolor e muitos torcedores hoje sequer lembram que ele algum dia esteve no Morumbi. Luís Fabiano, em compensação, foi marcante. Ainda desconhecido pela torcida, entrou durante a partida contra o Botafogo no Maracanã, jogo de ida da final do Rio-São Paulo; e fez dois gols na goleada de 4 x 1 que deixou o título praticamente sacramentado para a volta, na qual surgiu outro futuro craque do futuro brasileiro e seu companheiro no Mundial, Kaká.

Logo virou titular e fez ótima dupla de ataque com o também goleador França. Contudo, aquele time, fortíssimo no meio-campo e ataque, acabou a temporada sem títulos, muito por conta de sua frágil defesa. Devolvido ao Rennes por não ter havido acerto financeiro para sua permanência, acabou retornando em definitivo ao Morumbi no segundo semestre de 2002, desta vez para substituir o recém-negociado França como principal referência no ataque são-paulino e ser "escudado" pelo ex-flamenguista Reinaldo.

Acabou artilheiro do campeonato, ao lago do gremista Rodrigo Fabri, mas o time, depois de terminar a fase de classificação disparado na primeira posição, acabou atropelado pelo Santos de Diego e Robinho, o futuro campeão, na fase de mata-mata. Em 2003, a incômoda rotina continuou: muitos gols (artilheiro do Paulistão e 3º maior goleador no Brasileiro, apenas dois gols atrás de Dimba, do Goiás) e a idolatria da torcida, mas o time sempre fraquejava na hora de decidir. Ao menos, o 3º lugar no Brasileiro garantiu o retorno à disputa da Libertadores depois de quase dez temporadas de ausência; e Luís Fabiano ainda fez sua estreia pela Seleção, com um gol na vitória por 3 x 0 diante da Nigéria em amistoso disputado no país africano.

Foi goleador da Libertadores em 2004, mas a doída eliminação diante do Once Caldas, com gol aos 48 do segundo tempo, ofuscou seu belo desempenho. Também acabou sendo coadjuvante na conquista da Copa América: a imprensa paulista o apontava como provável estrela da competição, mas viu Adriano, ex-Flamengo e então chegando à Internazionale, brilhar e ser o maior nome daquele título.

Já contestado por parte da torcida tricolor devido à falta de títulos (nem a ótima marca de 118 gols em 160 partidas vinha sendo muito levada em consideração), foi para o Porto. Parecia bom negócio chegar a uma equipe recém-campeã da Liga dos Campeões e em alta, mas novamente não se adaptou de imediato ao futebol europeu, não conseguindo emplacar mais do que uma temporada. Em baixa, chegou ao Sevilla, time ascendente e que vinha de ótima campanha em La Liga na edição 2004/05, para brigar por uma posição com o argentino Saviola, "eterna promessa" emprestada pelo Barcelona.

Mais uma vez, seu início foi difícil, mas o gol marcado na final da Copa da UEFA, que abriu a goleada de 4 x 0 sobre os ingleses do Middlesbrough e garantiu uma inédita conquista aos Rojiblancos, parece ter lhe dado ânimo. A partir da temporada 2006/07, deslanchou e tornou-se peça indispensável na equipe andaluz, que andou perto de beliscar o título por dois anos seguidos, mas fraquejou nas retas finais. Veio ainda o bi da Copa da UEFA e a conquista da Copa do Rei, título que o Sevilla não ganhava havia 59 anos. E em 2008, Luís Fabiano brigou cabeça a cabeça pela artilharia da Liga, que acabou ficando com o espanhol Güiza, então do Mallorca e atualmente atuando no Valencia.

Mas a maior prova de sua ascensão se deu com a camisa amarela da Seleção. Os dois gols da difícil vitória sobre o Uruguai, em novembro de 2007, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, no mesmo Morumbi onde havia brilhado intensamente alguns anos antes, lhe deram moral para agarrar a camisa 9 e não mais a largar. Aproveitou-se ainda dos eternos problemas extra-campo de Ronaldo e Adriano, concorrentes outrora aparentemente insuperáveis e que acabaram derrotados pela própria indolência.

Goleador principal da Seleção na conquista da Copa das Confederações e também nas eliminatórias, hoje Luís Fabiano é peça indispensável no time do técnico Dunga. Há quem diga que não se trata de um "extra-classe" como os centroavantes que o Brasil teve em Mundiais passados, como Reinaldo, Careca, Romário e Ronaldo (claro, quando o preparo físico e comportamento fora de campo lhe permitia ser assim considerado...), mas certamente terá muito a oferecer em uma competição nivelada como a que está sendo disputada na África do Sul.


Luís Fabiano Clemente
atacante
Campinas (SP), 08.11.1980
1,83 m
84 kg
Clubes: Ponte Preta (1999 a 2000), Rennes-FRA (2000 e 2002), São Paulo (2001 e 2002 a 2004), Porto-POR (2004/05) e Sevilla-ESP (desde 2005).
Títulos: do Torneio Rio-São Paulo (2001) pelo São Paulo; mundial interclubes (2004) pelo Porto; da Copa do Rei (2007 e 2010), da Copa da UEFA (2006/07) e da Supercopa Europeia (2006) pelo Sevilla; da Copa América (2004) e da Copa das Confederações (2009) pela Seleção Brasileira.
Jogos pela Seleção: 38 (25 gols)
Participação em Copas: estreante

Foto: Getty Images

terça-feira, junho 08, 2010

Os 23 da Copa (VIII) - Felipe Melo: contra os próprios nervos

O meia Felipe Melo iniciou sua carreira de forma promissora, dando, com apenas 18 anos, um grande alívio para a maior torcida do Brasil. Seu gol diante do Internacional, numa partida disputada em Juiz de Fora (MG), pela antepenúltima rodada do Campeonato Brasileiro de 2001, acabou no final dando uma valiosa contribuição para que o Flamengo não fosse rebaixado à Série B.

O jogador destacava-se nas categorias de base do Rubro-Negro como um combativo e técnico armador. Mantido na equipe principal, foi dos poucos que se salvou do vexame na Libertadores de 2002, em que seu time foi eliminado ainda na primeira fase: Felipe acabou artilheiro do Mengão com quatro gols. Contudo, caiu de produção com o restante da equipe nas péssimas campanhas feitas nas competições seguintes daquela temporada, em especial no Brasileirão, em que o Flamengo fez novamente uma campanha medíocre e só se salvou da degola nas rodadas finais.

Após disputar o Sul-Americano Sub-20 pela Seleção Brasileira e algumas poucas partidas do Estadual em 2003, acabou emprestado ao Cruzeiro. Não teve maiores oportunidades numa equipe que estava em estado de graça e com o meio-campo povoado de jogadores em grande fase, como Alex, Maldonado, Martinez e Wendell, mas do banco pôde comemorar as conquistas do Brasileiro e da Copa do Brasil (esta, em cima de seu antigo clube), duas das que compuseram a "tríplice coroa" até hoje cantada em prosa e verso pela torcida azul de BH.

No ano seguinte, acabou novamente emprestado, desta vez ao Grêmio. Uma temporada para esquecer. O Imortal amargou a lanterna disparada e um triste rebaixamento, o segundo de sua história no Brasileiro, e que acabou consumado com nada menos que três rodadas de antecedência. Felipe perdeu-se em meio à mediocridade daquele time e só apareceu mesmo quando, na comemoração de um raro gol, pôs a bola sob a camisa. Homenagem a uma gravidez de sua esposa? Não, o ato fazia referência aos implantes de silicone que a mesma havia acabado de fazer nos seios...

Liberado do Flamengo no início de 2005 via Justiça Desportiva, após alegar atrasos salariais, tomou o caminho da Espanha, onde foi defender o Mallorca. Após uma rápida passagem pela equipe das Ilhas Baleares, transferiu-se para o Racing Santander, onde atuou por duas temporadas como titular e sendo aproveitado numa função mais defensiva, como volante, aproveitando-se de seu bom vigor físico e facilidade em marcar. Em 2007, acabou negociado com o modesto Almería, que havia recém-subido da Segunda Divisão e acertado com o também brasileiro Diego Alves, à época promissor goleiro do Atlético-MG e até hoje titular da equipe andaluz.

O Almería fez ótima campanha, ficando em oitavo lugar, e Felipe chamou a atenção de grandes e tradicionais agremiações. A Fiorentina tratou de garantir rapidamente sua contratação, pagando nada desprezíveis 13 milhões de euros por seu passe.

Com a camisa roxa da Viola, explodiu de vez. Seu time fez uma grande campanha, ficando em quarto lugar, superando a favorita Roma de Francesco Totti e garantindo uma das vagas italianas na Champions League da temporada seguinte. Para melhorar, recebeu uma inédita chance na Seleção principal, estreando justamente contra a Itália que o havia acolhido e tendo boa atuação nos 2 x 0 aplicados no Emirates Stadium de Londres.

Firmou-se no grupo de Dunga e garantiu seu lugar como titular na campanha vitoriosa da Copa das Confederações, em junho. Ao mesmo tempo, a poderosa Juventus garantiu sua contratação por nada menos que 25 milhões de euros, quase o dobro do que a Fiorentina havia investido apenas um ano antes.

Tudo ia bem demais, mas para Felipe Melo as coisas começaram a complicar-se desde então. Com um time envelhecido, mal treinado e desequilibrado entre seus setores, a Vecchia Signora fez no Italiano de 2009/2010 sua pior campanha em quase cinquenta anos, perdendo nada menos que 15 de suas 38 partidas e amargando uma modesta sétima posição que a deixou longe até mesmo de disputar uma vaga na UCL. E Felipe, longe de justificar o esforço feito em seu investimento, chegou até a "arrebatar" o Bidone D'Oro, "prêmio" satírico conferido por um programa radiofônico italiano ao suposto pior jogador da temporada.

Na Seleção, também passou a ser discutido. A extrema rispidez na disputa das jogadas, até mesmo em lances banais, a coleção cada vez maior de cartões e os perigosos erros de passe na intermediária defensiva têm preocupado a imprensa e a torcida. Some-se a isso a postura meio arrogante, evidenciada até mesmo em sua constante "carranca" dentro de campo, e um evidente desequilíbrio emocional que, em menos de um mês, o fez envolver-se em patético bate-boca via telefone com o jornalista da ESPN Brasil Paulo Vinícius Coelho, o "PVC", e, mais recentemente, distribuir pontapés nos ingênuos jogadores de Zimbábue e Tanzânia nos últimos amistosos de preparação antes da Copa.

Cabe agora a Felipe Melo vencer seus próprios nervos e provar se é de fato um jogador ascendente e capaz de preencher a contento o meio-campo da Seleção, ou se é apenas um mero engodo desesperado por ver sua boa fase indo embora definitivamente.


Felipe Melo de Carvalho
volante
Volta Redonda (RJ), 26.06.1983
1,83 m
73 kg
Clubes: Flamengo (2001 a 2003), Cruzeiro (2003), Grêmio (2004), Mallorca-ESP (2005), Racing Santander-ESP (2005 a 2007), Almería-ESP (2007/08), Fiorentina-ITA (2008/09) e Juventus-ITA (desde 2009).
Títulos: brasileiro (2003) e da Copa do Brasil (2003) pelo Cruzeiro; da Copa das Confederações (2009) pela Seleção Brasileira.
Jogos pela Seleção: 18 (2 gols)
Participação em Copas: estreante

Foto: Getty Images

domingo, junho 06, 2010

Os 23 da Copa (VII) - Elano: discreta eficiência

Filho de cortadores de cana da pequena Iracemápolis, cidade de 20 mil habitantes espremida entre Limeira e Piracicaba, o garoto Elano sempre foi incentivado pelo pai a seguir a carreira de jogador. E a primeira chance surgiu aos 13 anos, nas categorias de base do Guarani. Formado no futsal, o meia logo demonstrou as qualidades que sempre marcaram seu futebol: visão de jogo, boa movimentação, capacidade de se adaptar a várias funções em campo, chutes e passes precisos. E tudo isto aliado a um estilo algo "low profile", sem abuso de dribles e maiores firulas desnecessárias.

Não chegou a se profissionalizar no Bugre, conseguindo sua liberação na Justiça após desentendimento com parte da diretoria. Depois de uma breve passagem pela Internacional de Limeira, chegou ao Santos. E eram tempos difíceis na Vila Belmiro. O início da gestão Marcelo Teixeira fora marcado por investimentos extravagantes em jogadores veteranos (e caros) como Rincón, Valdo, Carlos Germano, Galván e Valdir "Bigode", e o jejum de títulos que já se aproximava de completar duas décadas desesperava a torcida. Ficava difícil para os garotos, da base ou recém-chegados ao clube, se firmarem naquelas circunstâncias.

Após quase duas temporadas atuando meio desapercebido, a sorte de Elano, bem como a de seus companheiros, começou a mudar no segundo semestre de 2002. Sem dinheiro, a diretoria se viu obrigada a apostar num time caseiro e barato, promovendo pratas-da-casa como Robinho e Diego, contratando incógnitas como Alex, Alberto e Maurinho, e mantendo apenas alguns nomes com mais tempo de casa, como Léo e Fábio Costa. E aquele time, que no começo do campeonato era dado até mesmo como um candidato ao rebaixamento, durante o certame revelou-se uma equipe magnífica. Elano, bem como Renato, outro que atuava pelo Peixe há algum tempo sem receber maiores atenções por parte de torcida e mídia, explodiu junto com o resto da equipe, sendo uma de suas mais importantes peças e tendo inclusive marcado um gol na inesquecível virada na decisão diante do Corinthians.

Nos anos seguintes, confirmou sua ascensão e mostrou outra faceta de seu futebol: a versatilidade. Chegou a ser utilizado por breves períodos como lateral-direito e centroavante, com resultados satisfatórios. Contudo, a meia-direita era sua verdadeira posição, e lá acabou ficando. Chegou à Seleção Pré-Olímpica, mas acabou fracassando com o resto do time no Torneio do Paraguai, em janeiro de 2004. Em outubro do ano passado, debutou na equipe principal do Brasil, entrando no segundo tempo da partida contra a Colômbia, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2006.

Após mais um título brasileiro com o Santos, em 2004 (com direito a mais um gol no jogo decisivo, dessa vez contra o Vasco), recebeu proposta do Shakhtar Donetsk, ascendente (e milionário) clube ucraniano. Embora tivesse expectativa de propostas mais vantajosas de mercados mais tradicionais e com muito mais visibilidade, aceitou o desafio, motivado pela possibilidade da independência financeira e de ajudar sua família. Na Ucrânia, teve um bom início, mas a chegada do rigoroso inverno que castigou não só a si, como também à sua esposa e à filha recém-nascida, lhe trouxe um certo arrependimento. Brigado com o treinador romeno Mircea Lucescu e mandado para a reserva, encontrava-se abatido quando recebeu a notícia que deu uma guinada em sua carreira.

Apesar dos pesares, fora convocado pelo recém-chegado técnico Dunga para a Seleção Principal. E seu início não poderia ter sido melhor: marcou dois gols e foi um dos melhores em campo justamente diante da Argentina, no Emirates Stadium de Londres, segundo amistoso do capitão do Tetra no comando da Seleção. E começou a se impor como uma das peças indispensáveis do esquema tático. Após o título da Copa América de 2007, disputada na Venezuela, trocou a fria e escondida Ucrânia pelo badalado e campeão de audiência futebol inglês. Foi defender o Manchester City, "primo pobre" do poderoso United e começando a receber generosa injeção financeira de um milionário empresário tailandês.

Após uma boa primeira temporada, caiu de produção e também em desgraça com o técnico galês Mark Hughes. A solução foi novamente fazer as malas e mudar-se para a Turquia, onde defende o Galatasaray desde o início da última temporada.

Na Seleção, seguiu em bom ritmo. Chegou a perder a posição para o ex-cruzeirense Ramires durante a última Copa das Confederações, mas a recuperou nos últimos amistosos após fracas atuações do concorrente. Continua mostrando o mesmo futebol discreto, porém eficiente, com grande participação especialmente nas assistências, pelo que promete ser uma das armas do Brasil nas jogadas de bola parada no Mundial. E uma curiosidade o credencia: Elano parece ter uma "estrela" toda especial para confrontos contra seleções mais fortes e tradicionais. Além da Argentina, também marcou belos gols contra Portugal e Itália em amistosos de preparação disputados em 2008 e 2009.


Elano Ralph Blumer
meia
Iracemápolis (SP), 14.06.1981
1,74 m
65 kg
Clubes: Guarani (1999/2000), Inter de Limeira (2000), Santos (2001 a 2005), Shakhtar Donetsk-UCR (2005 a 2007), Manchester City-ING (2007 a 2009) e Galatasaray-TUR (desde 2009).
Títulos: brasileiro (2002 e 2004) pelo Santos; ucraniano (2005/06) pelo Shakhtar; da Copa América (2007) e da Copa das Confederações (2009) pela Seleção Brasileira.
Jogos pela Seleção: 50 (7 gols)
Participação em Copas: estreante

Foto: Getty Images