quarta-feira, maio 26, 2010

Os 23 da Copa (III) - Lúcio: raça e liderança

Uma goleada humilhante deu a Lucimar Ferreira da Silva a chance de se projetar para o futebol brasileiro e, depois, para o mundo. O então jovem zagueiro do modesto Guará, clube da Capital Federal, fez parte da equipe que enfrentou o Internacional em fevereiro de 1997, pela Copa do Brasil, no acanhado Estádio da Cave. O Colorado foi impiedoso: aplicou sonoros 7 x 0 e eliminou o humilde rival sem a necessidade da disputa da partida de volta. Contudo, o técnico Celso Roth ficou impressionado com o futebol do camisa 3 adversário, e fez questão de levá-lo a Porto Alegre.

Lá, Lucimar se tornou simplesmente Lúcio. Aprovado nos testes, ficou em definitivo no Beira-Rio e, por ser ainda muito jovem, foi ganhar experiência nos juniores. Suas primeiras incursões no time principal se deram no Brasileiro de 1999, em uma equipe que esteve ameaçadíssima de rebaixamento. Lúcio deu sua contribuição, marcando um importantíssimo gol numa vitória sobre a Ponte Preta. E no final, um dramático 1 x 0 sobre o Palmeiras, gol do veterano Dunga, em jogo que teve direito até a um suspeitíssimo apagão, o Colorado pôde enfim respirar tranquilo.

Na temporada seguinte, com uma equipe um pouco melhor armada, Lúcio assumiu a condição de titular e logo se destacou. Seu futebol de grande luta e entrega durante os 90 minutos agradaram em cheio ao torcedor. As arquibancadas ainda vibravam com suas constantes arrancadas ao ataque, que eventualmente rendiam belos gols, como um tirambaço de fora da área que fulminou o Corinthians na Copa JH, o (patético) Campeonato Brasileiro daquele ano.

Também em 2000, Wanderley Luxemburgo o convocou para a Seleção que disputaria os Jogos Olímpicos de Sydney. Até hoje muitos lamentam que Lúcio tenha sido reserva de uma zaga titubeante formada por Fábio Bilica e Álvaro. Mas o becão teve sua chance de aparecer na fatídica eliminação diante de Camarões, nas quartas-de-final: após dar uma de suas costumeiras arrancadas, tabelar com Roger (então do Fluminense e atualmente no Cruzeiro) e não receber a bola de volta, enfureceu-se e após ríspida discussão, desferiu uma cabeçada no rosto do meia carioca. A cena inusitada dividiu opiniões pelo Brasil: uns condenaram enfaticamente, outros aplaudiram o zagueirão.

O ato de indisciplina não o prejudicou na Seleção, pelo contrário. Um dos poucos que saíram de Sydney sem arranhões na imagem, Lúcio logo garantiu um lugar na equipe principal, primeiro na fugaz passagem de Emerson Leão, depois com Luiz Felipe Scolari. E deu adeus ao Inter em janeiro de 2001, negociado com o Bayer Leverkusen, clube alemão famoso por suas constantes apostas em jogadores brasileiro.

Na Alemanha, Lúcio se firmou rapidamente e virou unanimidade entre torcedores e jornalistas. O problema era a "zica" que teimava em não largar seu clube: na temporada 2001/02, o Bayer amargou nada menos que três vice-campeonatos, no campeonato nacional, na Copa da Alemanha e, especialmente, na Liga dos Campeões, título perdido graças a um gol antológico, de sem-pulo, do cracaço francês Zinedine Zidane, do Real Madrid.

A Copa do Mundo do Japão e da Coréia do Sul era a oportunidade de ouro para Lúcio salvar aquela temporada infeliz. Titular absoluto do técnico Felipão, apesar de algumas escorregadas nas Eliminatórias e amistosos preparatórios, Lúcio disputou um Mundial regularíssimo, salvo por um lance: contra a Inglaterra, pelas quartas-de-final, cometeu uma falha grotesca e permitiu a Owen abrir o marcador; para sua sorte, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho salvaram a pátria aquele dia e garantiram a classificação. Na semifinal contra a Turquia e, principalmente, na final contra a Alemanha, duas atuações seguríssimas garantiram a Lúcio recuperar o crédito com a torcida. O penta salvou o 2002 do becão.

Parreira reassumiu o selecionado, mas Lúcio permaneceu entre os titulares, embora sempre contestado. A torcida o acusava de ser atabalhoado, até mesmo raçudo em demasia, com suas avançadas constantes para o ataque e os botes impensados nos atacantes. Mas na Alemanha, ele já era rei: em 2004, foi negociado com o poderoso Bayern Munique por nada desprezíveis 12 milhões de euros. E, diante da maior torcida da Alemanha, seu cartaz só fez crescer. Para melhorar ainda mais, pôde, nas temporadas seguintes, enfim comemorar os títulos que teimavam em lhe escapar nos tempos de Leverkusen.

O reconhecimento do torcedor brasileiro veio no Mundial de 2006, no mesmo país onde atuava e que já reconhecia seu talento. Formando uma dupla impecável com Juan, Lúcio garantiu a segurança da zaga e, apesar de mais uma doída derrota para a França de Zidane, foi dos poucos jogadores daquele grupo a saírem da Copa sem qualquer chamuscão. De quebra, ainda bateu o recorde do paraguaio Gamarra, estabelecido em 1998, de minutos jogados sem cometer qualquer falta: foram 386, 3 a mais que o estabelecido pelo clássico defensor da Albirroja. A primeira infração no torneio veio apenas aos 25 minutos da fatídica partida das quartas-de-final contra Les Bleus.

Depois disso, enfim uma unanimidade, arrebatou a faixa de capitão. Foi o herói da conquista da Copa das Confederações, em 2009, com um golaço de cabeça quase no final que estabeleceu a dramática virada sobre os Estados Unidos na decisão. Devido à chegada do técnico holandês Louis Van Gaal, notório por seus desentendimentos com jogadores brasileiros nas equipes que dirigiu, em especial o Barcelona nos anos 90, trocou o Bayern pela igualmente campeoníssima Internazionale de Milão, onde fez uma temporada perfeita: a tríplice coroa, com direito à reconquista do título europeu após 45 anos de espera, e a titularidade absoluta em uma equipe estrelada até no banco de reservas.

Novamente fazendo dupla com o refinado Juan, Lúcio chega à sua terceira Copa tendo, pela primeira vez em um Mundial, a admiração e confiança irrestrita do futebol brasileiro. Erguer a taça, no dia 11 de julho, será a cereja do bolo.


Lucimar Ferreira da Silva
zagueiro
Brasília (DF), 08.05.1978
1,88 m
80 kg
Clubes: Guará-DF (1996/97), Internacional (1998 a 2000), Bayer Leverkusen-ALE (2000 a 2004), Bayern Munique-ALE (desde 2004) e Internazionale-ITA (desde 2009).
Títulos: alemão (2005/06 e 2008) e da Copa da Alemanha (2005/2006 e 2008) pelo Bayern Munique; italiano (2010), da Copa da Itália (2010) e da Liga dos Campeões da Europa (2010) pela Internazionale; mundial (2002) e da Copa das Confederações (2005 e 2009) pela Seleção Brasileira
Jogos pela Seleção: 93 (5 gols)
Participação em Copas:
2002 (campeão) - 7 jogos, nenhum gol
2006 (5º lugar) - 5 jogos, nenhum gol


Foto: AP Photo

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